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Desde a Revolução Industrial, a sociedade passou por grandes transformações, entre elas a intensificação do processo de urbanização e o deslocamento da produção de alimentos do âmbito doméstico para as fábricas.

Esse processo, que levou a grandes concentrações populacionais, trouxe também muitos problemas de saúde, devido às péssimas condições de higiene e à baixa qualidade dos alimentos, bem como de sua adulteração e falsificação.

Essa nova situação exigiu das autoridades um enorme esforço para reverter o quadro, que incluiu a criação de instituições de controle e de pesquisa e infraestrutura laboratorial. Esse esforço fez com que a situação hoje seja muito melhor, especialmente nos países desenvolvidos. Porém, a segurança e a qualidade dos alimentos continuam sendo um tema central da ciência dos alimentos. Essa conquista da sociedade se deveu em boa medida ao desenvolvimento das ciências em geral e à ciência de alimentos, em particular, ocorrido principalmente a partir da segunda metade do século XIX.

Conheça mais sobre a C&T de alimentos:

Microbiologia de alimentos

Microbiologia de alimentos é o ramo da ciência que estuda os microrganismos que habitam, crescem e contaminam os alimentos, com destaque para aqueles que deterioram ou estragam os alimentos. Esses microrganismos causam prejuízos aos homens, assim como os microrganismos patogênicos ou patógenos, que podem estar presentes nos alimentos e causar várias doenças. Entretanto, há outros microrganismos, como os probióticos e aqueles utilizados na produção de alimentos como queijo, picles, pão, cerveja, vinagre, salame e vinho, que são introduzidos nos alimentos devido a seus efeitos benéficos.

Até 200 anos atrás, tanto o preparo de alimentos fermentados quanto sua conservação eram feitos de maneira empírica, pois desconhecia-se o papel dos microrganismos nesses processos. Tal situação começou a mudar de forma mais acentuada com os trabalhos de Louis Pasteur. Em 1857, ele mostrou que a acidificação do leite é causada por microrganismos (bactérias láticas) e em 1860, ele destruiu micróbios indesejáveis do vinho e da cerveja utilizando calor, processo a que mais tarde se deu o nome de pasteurização e é largamente empregado até hoje. Devido à importância do seu trabalho, Pasteur é conhecido como o fundador da ciência microbiológica e da microbiologia de alimentos. Foram dele também os experimentos com os famosos frascos de pescoço de cisne que finalmente refutaram a teoria da geração espontânea.

Depois disso, desenvolvimentos e descobertas microbiológicas começaram a avançar mais rapidamente. Micróbios foram implicados em várias doenças, esporos resistentes ao calor foram descobertos, toxinas foram identificadas e nos anos finais do século XVIII, os governos começaram a criar legislação voltada para a segurança e qualidade dos alimentos.

A microbiologia de alimentos ganhou importância com o estudo das doenças causadas por alimentos e com o crescimento do comércio internacional de alimentos. Em 1888, A. A. Gartner demonstrou que Salmonella enteritidis era o agente biológico responsável pela contaminação em alimentos. Outros agentes foram descobertos depois: Shigella dysenteriae (K. Shiga, 1898); Salmonella chloreacius (Salmon, 1900); Bacillus spp (1906); Bacillus cereus (1946); e muitos outros, incluindo fungos e vírus. Esse processo de descobrimento de microrganismos é contínuo, pois sempre são descobertos novos agentes biológicos associados à contaminação de alimentos. Os agentes surgidos recentemente são chamados de emergentes.

Em 1930, G. M. Dack e colaboradores descobriram que a bactéria Staphylococcus spp produzia toxinas, que eram na verdade as responsáveis pelos efeitos negativos observados no organismo. Depois deles, várias toxinas bacterianas foram descobertas, como a botulina, produzida pelo Clostridium botulinum e responsável por causar o botulismo, e toxinas de fungos (micotoxinas), como a aflatoxina, produzida pelo Aspergillus flavus. Com isso, há então duas situações: aquela em que o agente biológico foi ingerido juntamente com os alimentos e está ativo no organismo (infecção) e outra em que apenas a toxina ativa está presente no organismo (intoxicação).

A partir dessas descobertas, as atenções se voltaram para a produção de alimentos, ou seja, era imperativo entender como se davam as contaminações e desenvolver práticas para eliminá-las ou controlá-las, incluindo as análises. A seguir são apontados alguns marcos importantes nessa direção:

– 1905: estabelecimento de método padrão para análise de água e análise de leite.

– 1958: recomendação de métodos para análises microbiológicas.

– 1962: criação do programa FAO / OMS e da Comissão Internacional de Especificações Microbiológicas dos Alimentos – ICMSF.

– 1967: criação do Subcomitê Latinoamericano – LAS do ICMSF.

– 1969: publicação da primeira norma de Boas Práticas de Fabricação – BPF, em inglês GMP, direcionada a alimentos, apresentando a importância de se criar uma legislação especifica para o setor. No Brasil, as BPF para alimentos foram implantadas pela Portaria 326 da ANVISA em 1997.

– 1971: É tornada pública  uma importante ferramenta de controle, a Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle – APPCC, em inglês HACCP.

– 1989 a 1992: publicação de “Princípios HACCP para produção de alimentos”

– 1993: o Codex anuncia orientação para implantação do HACCP.

– 1995: o Departamento de Agricultura americano (USDA) determina que todas as plantas de processamento e abate de animais devem desenvolver e implementar um programa HACCP dentro de 3 anos.

– 2005: publicação da ISO 22000, norma internacional que define os requisitos de um sistema de gestão de segurança de alimentos, abrangendo todas as organizações da cadeia alimentar, desde a colheita até a mesa do consumidor.

Atualmente, a indústria de alimentos aplica de forma integrada ferramentas como as Boas Práticas de Fabricação (BPF) e os Procedimentos Operacionais Padrão de Higienização (POP) que são importantes para a prevenção dos perigos. BPF e POP também são pré-requisitos para a implementação do sistema HACCP, que traz objetividade para os sistemas, permitindo monitorar com rigor pontos críticos dos processos, ou seja, aqueles que se apresentam como maior risco, priorizando uma abordagem preventiva em vez de reativa e reduzindo os custos operacionais. O controle de qualidade é uma atividade regulatória obrigatória através do qual as autoridades nacionais ou locais podem garantir a disponibilidade de alimentos adequados, seguros e em conformidade com os requisitos de rotulagem, conforme previsto por lei.

Além das práticas obrigatórias de segurança e qualidade, muitas indústrias têm obtido a certificação pela norma ISO 22000, que além de reforçar a produção de alimentos seguros, facilita a exportação de seus produtos.

Toxicologia

A toxicologia de alimentos estuda os efeitos adversos produzidos por agentes químicos presentes nos alimentos, sejam estes contaminantes ou substâncias químicas usadas especificamente como conservantes, edulcorantes, flavorizantes, sintéticos ou de origem natural.

Quando Paracelsus, no início do século XVI, postulou que a diferença entre o que cura e o que envenena é a dose, estabeleceu alguns referenciais teóricos da toxicologia como disciplina científica, para onde houve uma posterior convergência universal. Mas foi somente no século XIX que a toxicologia se consolidou como ciência moderna, aproveitando o desenvolvimento da química, fisiologia e microbiologia, Atualmente, representa uma área de vital importância no sentido de estabelecer parâmetros e  condições nas quais os alimentos podem ser ingeridos sem causar danos à saúde.

O principal parâmetro para o estudo da toxicologia dos alimentos é a IDA (Ingestão Diária Aceitável), pois ele permite prever se haverá ou não danos aos que fazem uso de determinado alimento.

A IDA é a dose do agente químico ingerido que não produz aumentos estatística ou biologicamente significativos na frequência ou severidade dos efeitos adversos na população exposta. Efeitos podem ser produzidos por esta dose, mas não são considerados como adversos.

Antes de calcular a IDA é necessário conhecer o nível de efeito adverso não observado (sigla em inglês é NOEL). Para se chegar ao NOEL é dada a mais alta dose possível de um aditivo à mais sensível espécie animal durante a maior parte de sua vida, sem que haja efeitos tóxicos ou adversos. Ela é expressa em mg/Kg/dia.

Então, a NOEL calculada para esse animal é dividida por um fator de segurança, normalmente 100. Por exemplo, se a NOEL obtida para a espécie animal utilizada no teste toxicológico foi 100 mg/Kg/dia, a IDA para humanos será de 1 mg/Kg/dia.

Exemplo: A IDA do ciclamato é 11 mg/Kg/dia, o que significa que um indivíduo de 80 Kg pode consumir diariamente até 880 mg de ciclamato, quantidade bem inferior à consumida normalmente.

Química de alimentos

Química de alimentos é a ciência que estuda a composição dos alimentos, as alterações químicas sofridas por eles durante o processamento e estocagem e os compostos neles introduzidos intencional ou acidentalmente, como aditivos e contaminantes. Os alimentos possuem um número muito grande de componentes, sendo que água, proteínas, gorduras ou lipídeos e carboidratos estão presentes em maior quantidade. Outros componentes presentes em menor quantidade são minerais, vitaminas e ácidos nucléicos.  A química de alimentos relaciona-se também com a bioquímica e com a nutrição.

A química iniciou seu forte desenvolvimento na segunda metade do século XVIII, especialmente após o ano de 1785, período em que houve uma verdadeira revolução na área, sobretudo na França. Nesse período foram descobertos os principais elementos químicos e desenvolvidos os métodos analíticos, que permitiram testar velhas e novas ideias quantitativamente e de forma científica. No ano de 1785, por exemplo, Claude Berthollet  descobriu que o vapor que saia dos animais em decomposição era amônia e que ela era composta por 17% de hidrogênio e 83% de nitrogênio.

Entre os anos de 1790 e 1794, Lavoisier estudou os processos de combustão dos alimentos e a respiração celular utilizando sofisticados equipamentos criados por ele e chamados calorímetros e concluíram que o calor produzido vinha da combustão lenta da matéria orgânica, processo que liberava CO2, H2O e cerca de 2.000 calorias/dia.

Ainda no final do século XVIII, Scheele, um farmacêutico sueco, descobriu o cloro, o glicerol e isolou os ácidos cítrico, tartárico e málico a partir de frutas.

Na primeira parte do século XIX, Justus Liebig classificou os alimentos em nitrogenados (albumina, caseína, carne e sangue) e em não nitrogenados (gorduras, carboidratos e bebidas alcoólicas). Em 1847 ele publicou o que foi talvez o primeiro livro sobre química de alimentos, intitulado “Researches on Chemestry of Food”.

Graças ao desenvolvimento paralelo da química, microbiologia, fisiologia e nutrição, no final do século XIX, os principais constituintes químicos dos alimentos já eram conhecidos.

Depois da II Guerra Mundial os estudos sobre composição de alimentos foram aumentando, a ponto da FAO criar condições para a elaboração de tabelas regionais, por meio de processo de cooperação internacional. Durante as décadas de 1970 e 1980 houve um grande avanço na área de análise química de alimentos, tendo sido desenvolvidos métodos mais precisos e confiáveis de identificação, como o HPLC (High Pressure Liquid Chromatography). Ao mesmo tempo, as relações entre alimentação, saúde e doenças eram cada vez mais evidentes.

Depois disso, o desenvolvimento da computação catalisou um rápido desenvolvimento da química de alimentos, bem como das demais ciências, na medida em que deu suporte para o desenvolvimento de equipamentos cada vez mais práticos e confiáveis.

Outra onda de desenvolvimento experimentada pela química é a propiciada pela nanotecnologia.

Biotecnologia de alimentos

Biotecnologia pode ser definida como o conjunto de conhecimentos que permite utilizar organismos vivos ou parte destes (células, organelas, moléculas) para produzir bens e serviços.

A Biotecnologia abrange diferentes áreas do conhecimento como a microbiologia, química, genética, fisiologia, biologia celular, bioquímica, informática e robótica, entre outras.

Com o desenvolvimento da tecnologia do DNA recombinante, a partir da década de 1970, teve início a moderna biotecnologia, que permitiu a clonagem de genes de uma espécie para outra, dando origem aos organismos geneticamente modificados, os OGM. Esse fato causou uma verdadeira revolução na biotecnologia, pois possibilitou uma abordagem mais precisa das alterações genéticas, acelerando a obtenção de resultados e reduzindo custos.

A moderna biotecnologia foi muito impulsionada pelo desenvolvimento da informática, resultando no avanço impressionante das chamadas ciências ômicas (genômica, proteômica e metabolômica). O sequenciamento de todos os genes do genoma humano e de tantos outros seres vivos é um exemplo desse avanço.

Para mais informações (link com BIT biotecnologia)

Engenharia de alimentos

Estuda os processos de produção, estocagem, acondicionamento, conservação e garantia da qualidade dos alimentos. Pode também trabalhar com a administração geral dos processos tecnológicos e no desenvolvimento de procedimentos e máquinas ligadas à produção de alimentos.

De acordo com a Associação Brasileira de Engenheiros de Alimentos (www.abea.com.br) : “É uma área de conhecimento específica capaz de englobar todos os elementos relacionados com a industrialização de alimentos, e que pode através do profissional com esta formação, potencializar o desenvolvimento deste ramo em todos os níveis; seja na formação de profissionais, no subsídio à elaboração de políticas, nos projetos de pesquisa, na atuação dentro das empresas do setor, como na colaboração à preservação da saúde pública (normatização técnica, orientação e fiscalização)”.

Nanotecnologia

Nanotecnologia pode ser definida como a tecnologia que trabalha em escala nanométrica, ou seja, dimensões de átomos ou moléculas. Geralmente trabalha com estruturas medindo entre 1 a 100 nanômetros em ao menos uma dimensão.

A nanotecnologia está causando uma revolução em várias áreas do conhecimento. Em alimentos, há aspectos regulatórios importantes que precisam ser equacionados, mas já está sendo utilizada em várias etapas da cadeia produtiva como processos, transporte, embalagem, e distribuição.

As possibilidades de desenvolvimento de ingredientes para alimentos envolvendo nanotecnologia são enormes e poderão contribuir para gerar benefícios concretos para os consumidores.

Para mais informações (link com BIT nano)

Nutrição

Estuda os nutrientes e o comportamento do alimento no organismo humano. Coordena a alimentação em instituições diversas como escolas, empresas, hospitais, spas, etc., visando uma alimentação saudável e de acordo com as necessidades das pessoas.

Lavoisier é considerado o “Pai da Nutrição” por ter estudado entre os anos de 1790 e 1794 os processos de combustão dos alimentos e a respiração celular utilizando sofisticados equipamentos criados por ele e chamados calorímetros. A partir do seu trabalho, ficou claro que a fonte de energia do nosso organismo era a combustão controlada dos alimentos, com liberação de CO2, H2O e cerca de 2.000 calorias/dia.

No início do século XIX, Françoise Magendie estudou a gelatina por 10 anos e após ter realizado vários experimentos concluiu que ela não era um alimento completo. Nessa época os cientistas acreditavam na existência de um alimento que poderia suprir todas as necessidades de um organismo. Mais tarde se descobriu que, excetuando-se o leite materno, alimento completo não existe, o que nos obriga a ter uma dieta variada para obter todos os compostos químicos que nosso corpo necessita.

Nos anos 1830 Jean Baptiste Bussingault descobriu que as plantas leguminosas (soja, feijão, etc.) eram capazes de utilizar em seu metabolismo o nitrogênio da atmosfera. Justus Liebig, por sua vez, concluiu que os animais convertem carboidratos em gordura e que portanto são também capazes de reduzir a matéria orgânica.

Na primeira metade do século XIX, John Young, William Beaumont e Claude Bernard estudaram intensamente o processo de digestão e trouxeram importantes contribuições para a área de fisiologia e nutrição.

Em 1746, James Lind descobriu que limões e laranjas recuperavam marinheiros do escorbuto. No período entre 1845 e 1871, descobriu-se que a batata, vegetais frescos e sucos de frutas também apresentavam efeito anti-escorbuto. Somente muitos anos depois é que se descobriu que o ácido ascórbico (vitamina C) era o agente anti-escorbuto.

No primeiro terço do século XX, período conhecido como a era das vitaminas, várias doenças foram associadas a substâncias específicas, sedimentando as bases para o desenvolvimento da nutrição. Foi o caso da cegueira noturna (falta de vitamina A), raquitismo (falta de vitamina D) e beribéri (falta de vitamina B1 ou tiamina).

Logo após essa fase, a fisiologia, a nutrição, a bioquímica e a biologia experimentaram um rápido desenvolvimento, devido principalmente à introdução do uso de microrganismos como modelo de estudos. Os microrganismos se prestam muito bem a isso porque crescem e se multiplicam rapidamente, ocupam pouco espaço e possibilitam o controle das variáveis ambientais. A bactéria Escherichia coli e a levedura Saccharomyces cerevisae foram os mais estudados.

O intenso estudo dos microrganismos possibilitou também o nascimento da moderna biotecnologia, ocorrido com a descoberta das enzimas de restrição no início da década de 1970, passo fundamental para o desenvolvimento das técnicas do DNA recombinante.

Nas últimas décadas, a nutrição experimentou forte desenvolvimento, puxado pelo crescimento dos alimentos funcionais e pela criação da nutrigenômica/nutrigenética, resultado da união da nutrição à genômica/genética.